Reação rápida na BRF
- 12 de junho de 17
Por Luiza Coimbra
Resposta da empresa de alimentos às acusações da Operação “Carne Fraca” representa um case positivo, diferente do caso da Vale no desastre de Mariana
A Operação “Carne Fraca” da Polícia Federal provocou um sério dano de imagem às empresas alimentícias, entre elas, a BRF que conta com participação de fundos de pensão. Grandes fundações como Previ, Petros, Valia, entre outros, mantém posições relevantes desde a época em que a Perdigão se fundiu com a Sadia para formar a nova empresa. O analista de princípios ASG (sócio-ambientais e de governança) Gustava Pimentel, um dos mais respeitados do setor no mundo, avalia que a BRF teve uma reação rápida e positiva em relações às acusações da Política Federal.
Em entrevista exclusiva à Investidor Institucional, o analista e diretor da consultoria SITAWI, compara a reação da BRF com a da Vale (outra empresa com participação de fundos de pensão), no caso do rompimento da barragem de Mariana (MG). Neste caso, Pimentel avalia que a reação foi demorada e cheia de equívocos. O especialista aponta ainda as recomendações e a importância crescente de adoção de princípios ASG na mitigação de riscos por parte dos investidores. Leia entrevista na íntegra a seguir:
Investidor Institucional – O que os eventos da Samarco e da Operação Carne Fraca representam para a adoção de princípios ASG pelos investidores?
Gustavo Pimentel – Realizar uma análise ASG antes de investir e durante o investimento é algo que traz para o fundo de pensão ou para a asset uma lente adicional sobre o ativo que está comprando. Especificamente nestes dois casos, a análise ASG ajuda a antecipar os possíveis cisnes negros que os ativos estão expostos. Em ambos os casos, ocorreram eventos de probabilidade muito baixa, mas de impacto muito alto.
II – Como lidar com o risco de um evento como o rompimento de uma barragem como foi do caso da Samarco? É um risco passível de previsão?
GP – É um risco bastante difícil. No caso da Vale e da Samarco, tínhamos análises sobre a segurança de barragens. Em relatórios desde 2012 para os nossos clientes já fazíamos um alerta que o padrão de segurança de barragens da Vale não era dos mais elevados. É claro que ainda é um evento extremo o que aconteceu com a Samarco. Mas se você está exposto ao risco, mesmo que você não tenha como mitigá-lo de maneira completa, já deveria ser um sinal de alerta para a companhia e para o investidor.
II – E no caso da operação “Carne Fraca” e especificamente da BRF?
GP – No caso da BRF, já vínhamos realizando análises sobre a empresa desde 2012 e o que havíamos notado é que a empresa vinha em processo de melhoria das práticas de gestão em suas plantas de abate. Começamos a notar que começou a haver menos reclamações de sindicatos e funcionários, começou a reduzir o número de autuações nas delegacias regionais de trabalho, ministério público.
II – Como a empresa deve reagir depois que ocorre o escândalo? Como você analisa a reação da BRF nas acusações da Operação Carne Fraca?
GP – Em uma primeira análise, a reação nos pareceu bastante positiva. A BRF demonstrou ter um plano de gerenciamento de crises bem estruturado e a comunicação foi bastante pró-ativa, vimos isso nos comerciais e banners dos sites dos principais jornais online. A empresa se defendeu de alguns pontos e colocou sua visão.
II – Você pode comparar a reação da BRF com a reação da Vale no caso da Samarco?
GP – Se fizermos um paralelo com o caso da Samarco, a reação da Vale foi muito diferente. A Vale procurou se eximir de responsabilidade no início, com toda a argumentação que era uma joint venture com outra empresa e a responsabilidade era toda da Samarco. E só depois que a BHP, que era sócia da Vale na empresa, mandou o CEO global para o Brasil, para mostrar que a companhia tinha uma postura muito mais pró-ativa de engajamento é que a Vale mudou de posição. Mas essa demora causou uma animosidade muito grande com a Vale.
II – A reação da Vale no caso da Samarco pode ser considerado um case negativo?
GP – Em nosso ponto de vista sim, é um case negativo, tanto é que mudou de postura depois. Mas demorou muito, só porque a BHP adotou uma postura mais positiva no caso.
II – E quais os elementos mais positivos na reação da BRF?
GP – Desde um ponto de vista externo, como analista, notamos uma reação muito rápida. É uma reação que procurou se posicionar publicamente não apenas através da imprensa, mas também patrocinando anúncios, mudando anúncios que já estavam planejados e que foram utilizados para explicar a posição da empresa. No dia seguinte já tinha um hotsite da BRF explicando medidas práticas de segurança alimentar.
II – E a postura da BRF de admitir problemas pontuais é outro fato positivo e não simplesmente negar quaisquer problemas?
GP – Exatamente, a BRF admitiu problemas em uma planta na cidade de Mineiros, em Goiás, colocou-se à disposição das autoridades para detectar as causas dos problemas. Então, o primeiro ponto quando ocorre um incidente desse tipo, é mostrar que entende que o problema existe e que vai tentar resolvê-lo. O que tira credibilidade é tentar passar uma imagem que não existe problema algum, que a empresa é perfeita.
II – E do ponto de vista dos investidores e conselheiros, como agir em casos de crise como da BRF e da Samarco?
GP – Acreditamos que os investidores e conselheiros devem se engajar em uma reação mais próxima ao que está fazendo a BRF. Devem solicitar mais informações e apoiar a empresa se ela se mostra mais pró-ativa, se ela demonstra que realmente quer solucionar os problemas.
II – A BRF é uma empresa que conta com a participação dos fundos de pensão no controle e na gestão que veio a partir da fusão com a Perdigão. Você consegue perceber a contribuição que os fundos estão dando na melhoria da empresa ou até mesmo nesta reação mais positiva no caso da “Carne Fraca”?
GP – Especificamente sabemos que alguns fundos de pensão que participavam da Perdigão, tinham práticas ASGs há alguns anos. Então, os fundos solicitavam que a empresa preenchesse questionários com itens ASG. Parte das respostas compunha um relatório consolidado das questões sócio-ambientais de alguns fundos de pensão. Porém, as empresas podem responder de maneira diferente. A Vale tem fundos de pensão no bloco de controle e respondeu diferente no caso da Samarco. Ou seja, é um elemento que pode ajudar, mas não é uma garantia que a empresa vai implementar as melhores práticas.
II – O que pesou no caso da BRF foi o risco político?
GP – Sim, aí entra um pouco a questão do risco político, de estar exposta a um ambiente no qual os órgãos de fiscalização e de controle atuam eventualmente de uma maneira errática. Então, por mais que a companhia estivesse melhorando suas práticas ainda existia um risco residual por estar no Brasil e pela diversificação da base produtiva.
II – Isso reforça a ideia que houve um exagero por parte da Polícia Federal, não é mesmo?
GP – Isso pode ter ocorrido, por um lado, por exemplo, a presença do papelão, não ficou claro se era da embalagem ou injetado no produto. Houve uma certa confusão nesse aspecto. Mas por outro lado, casos de corrupção e de funcionários sendo responsáveis por essas fraudes que expõem a companhia, isso representa maior risco para as empresas conforme seu porte e conforme os incentivos de produtividade que elas colocam para seus executivos. É claro que nenhum programa anti-corrupção, ou de compliance será bom o suficiente para prevenir ações de funcionários mal intencionados.
II – Você se refere a políticas de prêmios para os executivos?
GP – Sim, políticas de bônus, contratos de metas para funcionários. Um exemplo recente é o caso da Volkswagen, da fraude das emissões atmosféricas. Os ratings da empresa na questão ambiental eram muito elevados. Por outro lado, a empresa tinha um problema de governança na questão dos incentivos aos funcionários, que acabavam levando a uma exposição alta ao risco. A empresa automobilística queria crescer de maneira expressiva no mercado americano.
II – Segundo uma pesquisa elaborada pela sua consultoria mostra que os fundos de pensão ainda aplicam os princípios ASG de maneira ainda “aspiracional”. Poderia explicar um pouco mais o resultado da pesquisa?
GP – Pra fazer uma análise sócio-ambiental e de governança, são necessários recursos. Ou com pessoal especializado e com capacidade de interpretar esses assuntos, que em geral, fogem um pouco do dia-a-dia do profissional financeiro ou de investimentos. Ou preciso ter os recursos dentro de casa ou contratar fora. Mesmo contando com os recursos é necessário ter uma forma organizada de incorporar esses processos. O que reparamos é que a maior parte dos fundos de pensão, alguns até de médio e grande porte, não possuem esses processos organizados e não possuem recursos dedicados para essa análise.
II – Você recomenda a manutenção de pessoal dedicado para o tema?
GP – Não estou necessariamente dizendo que cada fundo de pensão precisa ter um analista ASG dedicado. É possível realizar essa análise de outras formas, tendo um roteiro organizado, questionários de análise, com capacitação de profissionais internamente ou comprando informações e análises fora.
*Originalmente publicada na edição 291 da Revista Investidor Institucional.